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O som ao redor
Por Luciana Bento
Música e cinema. Um casamento perfeito. Mesmo quando os filmes eram mudos e prescindiam de diálogos, a trilha sonora estava lá, marcando sua presença inquestionável. Muitas vezes executadas ao vivo, no escurinho da sala, ela sempre encantou, emocionou e alegrou plateias de todos os tempos.
O cinema evoluiu e com ele as trilhas sonoras. A ponto de, muitas vezes, música e filme se confundirem. Quem não se lembra das canções que marcaram clássicos internacionais como Casablanca, Ghost, Titanic, Star Wars, Uma linda mulher, Flashdance?
E no Brasil, Bete Balanço (um clássico de Cazuza), Eu, Tu, Eles (“Esperando na Janela”, de Gilberto Gil) e Lisbela e o Prisioneiro (“Você não me ensinou a te esquecer”, de Fernando Mendes, na voz de Caetano Veloso) as músicas viraram campeãs de audiência. Mas os exemplos são muitos e podemos citar também sucessos como Tieta do Agreste, Xica da Silva, Bye bye Brasil, Bicho de Sete Cabeças…
Isso sem falar nas sempre populares novelas brasileiras. Muitos clássicos da MPB brilharam na telinha, como Pecado Capital, de Paulinho da Viola (tema de abertura da novela de Janete Clair, de 1975), Modinha para Gabriela, de Dorival Caymmi, na voz de Gal Costa (tema de abertura da versão original de Gabriela, de 1975) e Dancin’Days, interpretada pelas Frenéticas na novela homônima de Gilberto Braga de 1978…
Das telas de cinema e televisão, as trilhas sonoras saltaram para outras telas. Hoje elas estão nos computadores, tablets, celulares e inundam de sons toda e qualquer expressão artística e produções do mundo do entretenimento.
De aplicativos a alertas de celular, passando por séries, animações, games… Nada disso sobrevive hoje sem o toque marcante dos sons e músicas que há muito deixaram de ser coadjuvantes em qualquer produção.
E como qualquer mercado em expansão, já existem profissionais que escolheram a área como foco de atuação. O músico brasileiro Jano Manzali optou por morar em Los Angeles – meca mundial das produções audiovisuais – para ficar mais próximo de estúdios de ponta, que compõem para cinema e animação. Formado pela conceituada Berklee College of Music, Jano se encantou tanto pelas trilhas sonoras que se especializou na área.
“Compor uma trilha sonora é bem diferente da composição livre. Tem uma certa limitação, você precisa pensar na emoção da cena, no que a imagem está sugerindo, seguir o roteiro que o diretor te passou… Mas isso pra mim só deixa as coisas mais interessantes. Acaba sendo um desafio que me inspira e me instiga também”, diz Jano, explicando um pouco de seu processo criativo.
Atuando em diversas frentes, o músico Daniel Gonzaga também se entrou no universo das trilhas sonoras e hoje é um dos mais requisitados compositores para espetáculos circenses. Convidado em 1999 para ser o diretor musical da Cia de Mystérios e Novidades, ele nunca mais parou e hoje contabiliza quase duas dezenas de espetáculos em seu currículo, grande parte deles para o Circo Crescer e Viver.
“Fazer trilha para um espetáculo é um processo de intimidade”, qualifica Daniel. “Você precisa ter um contato estreito com o diretor, saber o que ele está pensando, mergulhar em literaturas e referências sobre o tema, entender a concepção do espetáculo, em que cultura ele se baseia… Depois disso, você lê e estuda o roteiro, começa a compor, acompanha os ensaios, cronometra o tempo das cenas. É uma imersão”, conta.
Imersão que acontece em qualquer linguagem, como conta Leo Brasil, responsável por trilhas de animações produzidas pelo Copa Studio. “É muito importante pra quem faz trilha sonora entender a diferença entre TV, cinema e animação, pois cada uma tem características e linguagens próprias. E dentro de cada gênero ainda temos as intenções e sentimentos que o diretor deseja passar na obra: sé é épica, cômica, alegre, triste, angustiada, agressiva e assim por diante”, explica.
Fora que, uma vez aprovada pela direção, a trilha precisa se adaptar à mídia que será executada ou veiculada: TV, cinema, Youtube, CD, vinil, fita cassete, DVD, Streaming, celular, ao vivo… E também ao orçamento, que muitas vezes determina se a trilha será gravada com instrumentos reais ou com simuladores virtuais (o que baixa o preço mas muitas vezes não têm a qualidade, dramaticidade e performance de um músico profissional).
“Muitas pessoas poderiam ou deveriam ser envolvidas neste processo, sobretudo as mais importantes que são os músicos. Mas muitas trilhas são feitas por um único profissional simulando instrumentos em softwares de produção musical devido o tamanho do orçamento ou mesmo pelo prazo”, conta Leo Brasil. “Então muitas vezes você faz o melhor que pode, dentro das condições que tem, mas fica com a sensação de poderia fazer melhor se tivesse mais recursos”.
Realidade nua e crua de um mercado que ganha cada vez mais espaço, mas que ainda precisa percorrer um caminho até que as trilhas sejam valorizadas como parte fundamental do sucesso das produções. “Os empresários precisam abrir os horizontes e entender que, como o nome diz, o áudio é 50% da produção audiovisual. Muitas vezes 80% do orçamento é gasto na parte visual e apenas 20% no áudio”, revela.
Inventores de sons
Da próxima vez que atualizar o ringtone do seu celular, não pense que o som que está ali é aleatório. Assim como não são coincidência todos os barulhos, músicas, estrondos e sons do seu game predileto. Eles foram pensados e produzidos – na maioria das vezes – por profissionais dedicados, que criam sons jamais pensados ou ouvidos.
“Outra coisas que me interessou muito neste universo é o quão experimental ele é. Você é livre para criar sons novos, que nunca ninguém ouviu. Os profissionais querem fazer sons que soem o mais diferente possível, não querem ser clichê. Então surgem também coisas loucas, é o desafio de criar um som novo”, explica Jano.
Desafio que ele teve que enfrentar ao criar uma trilha sonora misturando bossa nova e música tradicional chinesa para uma animação. “A diretora queria dois sons contrastantes para a animação, que é inspirada em um conto tradicional transposto para os dias atuais. Eu tentei encontrar alguma inspiração, mas não encontrei nada, tive que criar tudo do zero”, conta Jano, que este ano viu uma trilha de sua autoria exibida no Festival de Cannes, em um curta metragem selecionado para a mostra Short Film Corner.
“Com uma boa trilha, o espetáculo ganha vida, ganha pulso, energia. Nosso desafio é fazer a pessoa entrar naquele ambiente e viajar no universo que você criou”, resume Daniel Gonzaga. E define: “Criar trilhas sonoras é criar mundos”.