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Música em rede
Por Luciana Bento
As iniciativas são muitas, milhares. E elas se espalham de Norte a Sul do País. Quase sempre com atividades totalmente gratuitas, os projetos de educação musical são a porta de entrada de milhares de jovens para o aprendizado de um instrumento ou canto.
Ali, eles ouvem e fazem música. Aprendem a tocar instrumentos antes inalcançáveis, se apresentam em orquestras, corais, bandas, ampliam repertório e por vezes seguem carreira. Mas também fazem amigos, se empoderam, trabalham em equipe e lidam com valores como disciplina, tolerância e responsabilidade.
Mesmo com resultados positivos, grande parte destes projetos sobrevive com poucos recursos: muitas vezes a dedicação de professores e profissionais da área é a força motriz das ações e a sobrevivência financeira vem de doações, editais e parcerias com organizações locais, como escolas e universidades.
Este retrato, que apresenta um misto de esperança e desafios cotidianos, foi revelado pelo Mapeamento de Projetos de Educação Musical, o primeiro levantamento realizado no Brasil exclusivamente com iniciativas desta natureza.
Embora 52% dos projetos ouvidos pelo mapeamento estejam concentrados na região Sudeste, há atividades em praticamente todos os estados do Brasil, com uma diversidade incrível de atividades, gêneros, ritmos, públicos e contextos.
Exemplo disso é o Centro Cultural Cambinda Estrela, que fica em Recife, Pernambuco. Fundado em 2000, ele é um desdobramento do trabalho do Maracatu Nação Cambinda Estrela (que existe desde 1935). Em suas atividades musicais (o Centro Cultural atua em outras áreas também) o Cambinda Estrela atende cerca de 200 crianças e jovens entre 04 e 18 anos, com foco nas atividades percussivas que são parte do Maracatu: do afoxé, samba e toques nagô até o estudo de sotaques e tradições.
Outra iniciativa que atua no sentido de manter vivas culturas ancestrais é a Casa do Jongo, no Rio de Janeiro. Ela sedia o Jongo da Serrinha, criado há mais de 50 anos por vovó Joana e seu filho, mestre Darcy, para preservar e perpetuar a cultura do jongo na cidade.
“Ao perceberem que os jongueiros mais velhos estavam morrendo, eles criaram o grupo para ensinar as crianças e jovens a jongar”, conta a coordenadora de música da Casa do Jongo, Lazir Sinval. Hoje, eles recebem mais de 400 alunos, entre crianças, jovens e adultos, com a missão de preservar o patrimônio imaterial do jongo. “Atuamos dentro do contexto da globalização, valorizando expressões afro-brasileiras através de ações de arte, educação, cidadania e geração de renda”, explica.
Tudo junto e misturado
Não raro, entram na receita – além da educação musical – ações de empoderamento, inclusão e cidadania. “Atuamos em uma área muito carente, onde nossas ações são fundamentais para a inclusão social de meninos e meninas. Sabemos que o pouco que fazemos é muito para tantos e tantas que passam por aqui. Estou há 34 anos nesta caminhada e já vi toda a força que a música tem de educar, transformar e abrir caminhos diversos”, declara Wanessa Paula dos Santos, presidente do Centro Cultural Cambinda Estrela. “Tivemos alunos que aprenderam a ler através da música”, conta.
No caso do projeto Música para Todos, de Teresina, Piauí, vários alunos se tornaram músicos de bandas do estado ou de orquestras espalhadas pelo País. “Mais que uma escola de Música, o projeto se coloca como uma oficina do saber, onde se busca construir um ser humano mais responsável com o futuro e com os espaços que ocupa na sociedade”, explica a coordenadora de comunicação do Música para Todos, Claudia Simone de Oliveira Andrade.
Ações de impacto, que atuam de forma criativa e diversificada, mas que nem sempre se encontram, trocam experiências, conversam… “Queremos usar os resultados do mapeamento para buscar pontos comuns entre projetos e incentivar trocas. É um ponto de partida para a criação de uma grande rede de iniciativas de educação musical”, explica Paula Brandão, coordenadora do programa Brasil de Tuhu e uma das idealizadoras do mapeamento, que foi feito em parceria com a JLeiva Consultoria.
Vontade de ouvir, aprender e trocar não falta. Mas nem sempre há recursos e possibilidades para isso. “Sempre que podemos, participamos de encontros e festivais, seja como ouvintes, seja como monitores. Mas faz um bom tempo que não conseguimos nos articular para isso, pois além da falta de recursos, nem sempre tem quem nos indique ou convide para os encontros”, lamenta Wanessa, do Cambinda Estrela.
Com uma estrutura robusta, atendendo a cerca de 3 mil jovens, o projeto Música para Todos, de Teresina, Piauí, encontrou nos intercâmbios, uma forma de reciclar ideias, oxigenar os estudos e ampliar o conhecimento de seus alunos – que participam de forma sistemática de congressos, festivais e simpósios sobre educação musical.
Outros países também estão na agenda: seus alunos já participaram de intercâmbios em Catânea, na Itália, e em Granada, na Espanha, e o próprio projeto já convidou músicos eruditos para tocar e conhecer suas atividades, entre eles a violista suíça Tirza Vogel, e os maestros Israel Menezes e Mateus Araújo.
Segundo Lazir, a Casa do Jongo recebe vários projetos. “Trocamos experiências e saberes com alunos, professores, estrangeiros, o povo querido de todo o nosso Brasil com interesse de conhecer nosso projeto. O que mais precisamos é estar bem próximos, com um trabalho contínuo com as demais comunidades jongueiras e buscar projetos que nos aproximem do que está sendo feito em outras cidades”, avalia.
Mesmo com ações e trocas em andamento, as iniciativas concordam que há muito a conhecer, experimentar, ouvir, apresentar, saber, fomentar, ajudar, receber… “Não há dúvidas de que existe um fio condutor que alinhava todas as ações e iniciativas de educação musical, mesmo com toda a diversidade e realidades diferentes que temos”, acredita Paula Brandão. “Há um espaço incrível para parcerias e trocas”, avalia.
Ela conta que este é um primeiro olhar sobre as organizações que trabalham, de forma independente, com educação musical para jovens e crianças. O mapeamento está em construção permanente e existe a intenção de abrir uma nova chamada para que ainda mais projetos sejam ouvidos.
Para construir o 1º Mapeamento de Projetos de Educação Musical foram contatadas 2.040 iniciativas, sendo que 240 responderam ao questionário online aplicado entre dezembro de 2016 e março de 2017.
Os resultados trazem dados sobre porte das organizações, público atendido, instrumentos e estilos musicais utilizados, formas de financiamento, métodos pedagógicos, capacitação profissional, ações de inclusão de pessoas com deficiência e principais desafios que estas iniciativas enfrentam.
A lista dos projetos que participaram do levantamento e os resultados completos podem ser acessados pelo site: https://brasildetuhu.com.br/mapeamento.
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