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Ensino de música nas escolas: ontem e hoje

Por Luciana Bento

Aprovada em 2008, a lei que institui o ensino de música na educação básica já deveria ser realidade em todas as salas de aula do País desde 2012 – data estipulada para que a lei estivesse em pleno andamento.

Não é preciso uma análise muito profunda para perceber que esta intenção não faz parte do cotidiano da maioria das escolas brasileiras. Múltiplos fatores e dificuldades fazem com que a aplicação da lei (ainda) não seja plena e sugerem que, embora existam importantes avanços, há um longo caminho a ser percorrido.

Mas o que os mais jovens talvez não saibam é que a educação musical no País (e os desafios que derivam de sua implantação) não é novidade. As aulas de música fizeram parte do currículo das escolas brasileiras entre as décadas de 30 e 70 do século passado e muita gente está aí para contar esta história.

Basta uma pesquisa informal entre pais, amigos e familiares mais velhos para ouvir relatos sobre as aulas de música que tiveram na escola e atestar que muitos cultivam boas lembranças do aprendizado das notas, ritmo, harmonia, canto e iniciação a instrumentos em sala de aula.

“Eu me lembro como se fosse hoje”, declara a professora aposentada Schela Dullens, que teve aulas de música na escola pública Deodoro da Fonseca, no Rio de Janeiro na década de 50. “A escola tinha um coral e nós cantávamos músicas do Villa-Lobos, hinos cívicos, repertórios brasileiros…”.

E embora não tivesse “nenhum talento para música”, como ela mesma confessa, Schela diz que adorava as aulas e apresentações para pais e familiares em datas comemorativas. “Era muito bom. Nós ensaiávamos e nos preparávamos para estes momentos, mas também tinha um lado de incentivar o civismo, aprender mais sobre o Brasil, pesquisar sobre o significado das letras dos hinos e saber mais sobre nossa história por meio das músicas folclóricas”, conta.

Ela lembra que havia alguns instrumentos musicais em sua escola: piano, violão e objetos de percussão eram utilizados pela professora para ensinar conceitos básicos aos alunos e acompanhar as cantorias.

Assim como Schela, nem todos se viam com talento para música. Mas há aqueles que seguiram a carreira musical e relatam, com brilho nos olhos, a importância das aulas de música em suas vidas.

É o caso do hoje biólogo e administrador Roberto Nascimento que, embora já tivesse aulas particulares de violão e teoria musical em casa, foi na escola que ele criou uma nova relação com a música. “As aulas me despertaram para a possibilidade de tocar com outras pessoas, compartilhar com um grupo a experiência da musicalidade. Isso mudou tudo”, lembra.

Roberto diz que, assim como ele, muitos colegas de sala descobriram talentos e aptidões musicais. “A professora, que se chamava Norma, nos incentivava a preparar apresentações em datas comemorativas. Nosso repertório inclusive incluía hits de novelas que faziam sucesso à época”, conta.

As aulas de Roberto aconteceram no início da década de 70 no Ginásio Industrial Dom João VI, no Rio de Janeiro. De lá para cá muita coisa aconteceu, ele seguiu carreira e trabalhou como músico profissional, tocando em bares e participando de corais até migrar definitivamente para outra profissão. “Mas foi na escola que toquei pela primeira vez com mais pessoas, fui para um palco, me apresentei. Esta experiência me marcou muito. Não à toa que as aulas de música eram as minhas favoritas”, conta.

Alçada à categoria de hobby, a música ainda hoje ocupa um papel central na vida de Roberto: além de tocar violão, viola caipira e piano e participar de corais e duos musicais, ainda repassou a paixão para seus três filhos – todos tocam algum instrumento e o mais velho se forma em música este ano.

Alain Pierre é outro que guarda algumas lembranças do seu tempo de estudante, na década de 60, no Ginásio Estadual Reverendo Álvaro Reis, também no Rio de Janeiro. Embora sua formação musical tenha praticamente começado no berço – seu pai, Homero de Magalhães, era pianista e especialista na obra de Villa-Lobos – Alain relata o aprendizado de hinos cívicos e canto na escola.

“A gente tinha que aprender o Hino Nacional, o Hino da Bandeira, o Hino da República… Como eu já cantava em casa, sempre fazia o exercício de forma correta e a professora me pedia pra repetir pra turma mas eu morria de vergonha”, conta. “Já meu irmão mais velho chegou a aprender músicas folclóricas com arranjos de Villa-Lobos, o que era fantástico mas abria espaço pra criançada fazer uma bagunça enorme nas aulas, deixavam a professora desesperada” relata.

O aprendizado dos hinos na escola foi apenas um passo no caminho de Alain, que seguiu a carreira de músico – profissão que exerce até hoje. Além de estudar violão clássico, alaúde e música renascentista, Alain deu aulas e participou, juntamente com outros músicos, do movimento de modernização do canto coral, com a criação de grupos especializados em arranjos para música popular brasileira.

Apesar da formação ampla, Alain ficou mais conhecido como baixista do grupo de rock progressivo “A Barca do Sol”, que fez sucesso na década de 70 e tinha em sua composição o multinstrumentista Jaques Morelebaum, o cantor Ritchie e o músico Nando Carneiro.

Mas como aconteceu a implantação do ensino de música no Brasil e por que ele foi suspenso? Proposto pelo maestro Heitor Villa-Lobos, o projeto de educação musical foi acatado pelo presidente Getúlio Vargas e tornou-se obrigatório nas escolas regulares de ensino do País em 1931.

Entusiasta da ideia, Villa-Lobos ainda hoje é referência quando o assunto é educação musical – o seu Guia Prático é reconhecido como um dos mais completos métodos de ensino da música existentes. Inovador, amante dos sons e musicalidade brasileiras, conhecedor da cultura popular, Villa-Lobos não só estruturou e propôs o projeto como coordenou a sua implementação – incluindo o investimento na formação de professores.

Na época, foi implementado o Canto Orfeônico – considerado até hoje o maior programa de ensino de música já realizado no Brasil e que consistia na aprendizagem prática da música utilizando melodias infantis e cantos de espírito nacionalista e patriótico (como o ensino dos hinos brasileiros relatados pelos personagens citados na reportagem).

Uma das preocupações da época – como hoje – era a formação dos professores de música e para sanar a questão foi criada a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), responsável por organizar o curso de Pedagogia da Música e do Canto Orfeônico no País.

A professora aposentada Helena Trope ministrou aulas por mais de 50 anos em várias instituições de ensino, entre elas o Conservatório Brasileiro de Música e o Colégio Pedro II. Ela relata os desafios que teve à época: “o mais difícil era o número de estudantes por turma no ensino básico, em média 50 alunos, o que dificultava muito o atendimento mais individualizado”, lembra. “Também faltava material e outros recursos mais atualizados”. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Mas, e hoje?

A Revista Tuhu procurou algumas secretarias de Educação do País para saber como está a implementação do ensino de música em suas salas de aula. Apenas a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo atendeu a nossa solicitação.

De acordo com a Assessoria de Comunicação da Secretaria, a rede municipal de ensino inclui o conteúdo de música nas aulas de Arte e por meio de projetos do governo federal como o Mais Educação. “A metodologia para o ensino de música é diversificada, vai da Musicalização Infantil a produção de instrumentos, percussão corporal, paisagem sonora e coral”, informa a nota da Secretaria.

No que diz respeito à formação de professores, a Secretaria informa que tem uma série de ações como o Projeto Canta São Paulo, com o objetivo de promover a formação de corais em Escolas de Ensino Fundamental, a parceria com o Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) para formação de professores, os parques sonoros, que promovem a formação continuada nos horários coletivos dos centros de educação infantil, e a formação em serviço para professores de Arte dos Ciclos de Alfabetização, Interdisciplinar e Autoral para toda a rede.

Procurado, o Ministério da Educação indicou – por meio de sua Assessoria de Comunicação Social – o Conselho Nacional de Educação para responder aos questionamentos da Revista Tuhu, já que o órgão constituiu, em 2013, uma Comissão específica que produziu parecer com as diretrizes curriculares para o ensino de música na educação básica – documento ainda não homologado pelo ministro.

Segundo o Conselho Nacional de Educação, embora a lei 11.769/08 estabeleça a obrigatoriedade do ensino de Música ela não é autoaplicável e carece de regulamentação. O parecer tem por finalidade orientar escolas, secretarias de educação, instituições de formação de professores, conselhos estaduais e municipais e o próprio MEC na aplicação do ensino de música em salas de aula.

No que diz respeito às escolas o CNE recomenda a criação ou adequação de tempos e espaços para o ensino de Música, sem prejuízo das outras linguagens artísticas; organização dos seus quadros profissionais com professores licenciados em Música, incorporando a contribuição dos mestres de saberes musicais e outros profissionais vocacionados à prática de ensino; formação continuada de professores no âmbito da jornada de trabalho desses profissionais, entre outras orientações.

Já as secretarias de educação precisam, segundo o CNE, identificar em seus quadros de magistério e servidores, profissionais vocacionados que possam colaborar com o ensino de Música nas escolas, promover cursos de formação continuada para professores de Educação Básica; promover a elaboração, organizar redes de instituições com vistas ao intercâmbio de experiências docentes, de gestão e de projetos musicais educativos, realizar concursos específicos para a contratação de licenciados em Música, entre outras atribuições.

O parecer inclui ainda orientações para as instituições formadoras de Educação Superior e de Educação Profissional (ampliação da oferta de cursos de licenciatura em Música em todo território nacional, com atenção especial aos estados e regiões que apresentem maior escassez desses professores, por exemplo), ao Ministério da Educação (zelar pela presença de indicadores atinentes ao ensino de Música, seus recursos humanos, materiais, nos instrumentos censitários e de avaliação da Educação Básica, entre outras atribuições) e aos Conselhos de Educação (acompanhar os Planos Estaduais, Distrital e Municipais de Educação quanto à avaliação da implementação das políticas públicas concernentes ao ensino de Música na Educação Básica).

Como se vê, os desafios ainda são grandes e envolvem o esforço de diferentes entes públicos e privados. E, mesmo com histórias de vida diferentes, todos os entrevistados desta edição que tiveram algum contato com a música em sala de aula (seja ensinando, seja aprendendo) são unânimes em defender a implementação plena do ensino nas escolas.

“Como educadora, sempre lutei para que a música estivesse presente no currículo da educação básica”, declara a professora Helena Torpe, que é doutora em educação musical. “Mas as próprias mudanças na lei e a situação de poucos professores licenciados tem dificultado a presença da música em todas as escolas. Por isso vem sendo discutido o aproveitamento de não licenciados mas graduados em música para compor o corpo docente do ensino básico”.

O biólogo Roberto Nascimento traz uma motivação pessoal para defender a volta do ensino da música: “Ela te convida a parar, ouvir, analisar uma informação diferente que chega, a receber um estímulo, apreciar um detalhe, se abrir a um novo conteúdo… Não tenho dúvidas de que se todo mundo tocasse um instrumento o mundo seria muito melhor. A música te qualifica como ser humano”, completa.

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