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Artesão do som

Foto: Divulgação

Por Luciana Bento

O ofício é essencialmente individual. Na construção de um instrumento, cada detalhe conta. As mãos esculpem, entalham, lixam e envernizam, em um trabalho minucioso, concentrado e paciente. Atividade tipicamente artesanal, a luteria – ou a arte de construir e restaurar instrumentos – permanece viva e tem ganhado adeptos.

Caminhando em sentido contrário ao mercado – onde objetos são construídos rapidamente e em larga escala – os luthiers seguem primando pela qualidade e excelência de seu trabalho, cuja clientela é composta, principalmente, de musicistas e estudantes de música de todo o mundo.

Nesta entrevista, o experiente luthier Túlio Lima – que constrói  e restaura violinos, violas e violoncelos desde o seu ateliê em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e oferece um curso gratuito de luteria para jovens da periferia de Brasília – conta como é desenvolver a profissão, que tem sua origem no período Renascentista, nos dias de hoje. E de quebra, dá dicas de conservação de instrumentos para músicos inciantes e profissionais. Confira!

Como está o ofício de luthier hoje, em um mundo pautado pela produção em larga escala, onde tudo precisa estar pronto rápido? Há lugar para a produção artesanal?

A luteria de violinos tem seus primórdios no período Renascentista quando os ofícios eram, de uma forma geral, desenvolvidos em uma relação estreita entre mestre e aluno. Entre o início do século 16 e final do século 18, a forma de atuação dos construtores de violinos teve esse caráter artesanal preservado. Com a revolução industrial no século 19, as formas de produção mudaram e as indústrias, principalmente na Europa, começam a produzir bens com a utilização de máquinas e tecnologia que permitissem uma produção em larga escala.

Isso também afetou a produção de violinos, o que ocasionou o surgimento de um conceito novo: o “violino de fábrica”. Eles começaram a ser produzidos em série, inicialmente por funcionários treinados não para construir um instrumento, mas apenas determinadas etapas do processo. Máquinas começaram a ser utilizadas no processo de produção e violinos começaram a sair aos milhares. Os custos de produção diminuíram drasticamente para atender a uma demanda muito maior e crescente, em dimensões globais.

Claro que, com esse processo industrial sem a minuciosa atenção aos mínimos detalhes de um instrumento construído por um só autor, a qualidade dos instrumentos – tanto acústica quanto esteticamente – caiu vertiginosamente.

A partir dessa transformação surge uma diferenciação importante no que se refere ao modo como um violino é produzido e que encontramos ainda hoje em dia: instrumentos de fábrica versus instrumentos de autor (ou de luthier).

E quem encomenda seus instrumentos para o luthier?

Muita coisa mudou do século 19 aos dias de hoje, mas a procura por instrumentos autorais continua muito viva, principalmente por parte de músicos profissionais que encontram nos instrumentos artesanais a qualidade que necessitam para que sua expressão musical seja otimizada, em um mercado profissional cada vez mais exigente e competitivo.

Um luthier de violinos usa ferramentas manuais, métodos tradicionais, materiais cuidadosamente selecionados, para construir uma peça que é única e personalizada. Esse tipo de trabalho parece ser cada vez mais valorizado, enquanto milhares de instrumentos de fábrica inundam o mercado suprindo a necessidade de estudantes de música em todos os continentes.

Hoje há espaço no mercado tanto para instrumentos fabricados em série quanto para a peça exclusiva de alta qualidade cuidadosamente construído por um artesão especializado.

As novas gerações têm interesse neste ofício?

É uma profissão muito atraente, mas exige uma dedicação enorme. Os jovens em geral têm perdido o interesse por atividades que exigem um aprendizado de longo prazo. No entanto as escolas de luteria em todo o mundo estão lotadas de alunos aprendendo o ofício. É uma atividade que exige, sobretudo, muita paixão. Se não houver paixão dificilmente alguém se desenvolve profissionalmente nessa área.

Que habilidades/talentos um luthier precisa ter?

A luteria é uma atividade multidisciplinar. Exige um nível de conhecimento em áreas como Música, Física, Matemática, Geometria, Química, Botânica, História, Artes Plásticas, Metalurgia etc. O luthier aplica, na construção de violinos, conceitos e atividades ligadas a todas essas disciplina e essa multidisciplinaridade talvez seja a habilidade mais importante para um luthier. E caso o luthier, além de construir seus instrumentos também se dedique à restauração, a gama de conhecimentos exigidos cresce ainda mais.

Por que?

Além dos aspectos técnicos diretamente aplicados ao trabalho em si se torna necessário o conhecimento de processos históricos, utilização de materiais e técnicas extremamente específicas, uso de tecnologias de última geração…

Ao se trabalhar com instrumentos de importância histórica, caso não haja a consciência da importância de se preservar ao máximo a originalidade de uma peça, corre-se o risco de produzir verdadeiros estragos em peças de grande valor cultural – e muitas vezes de alto valor financeiro também. O luthier deve ter um caráter naturalmente meticuloso, cuidadoso, calmo e respeitoso com as peças que ele manipula, responsabilidade que cresce e se aprofunda no caso de se trabalhar em restaurações.

É uma responsabilidade enorme… O que pode acontecer, caso algo não saia como planejado?

Para o músico o seu instrumento pode ter o status de alguém da família. Muitos tratam seus instrumentos como filhos. Muitas vezes o instrumento está ligado a memórias afetivas do músico. É uma grande responsabilidade. Não pode dar nada errado.

Quando o luthier se compromete a fazer alguma intervenção a situação deve ser avaliada cuidadosamente sob muitos aspectos: estado de conservação, procedência, nível de funcionalidade e importância histórica, características dos materiais, etc.

O cliente deve ser informado com toda clareza e transparência. Ele deve compreender os fundamentos daquilo que vai ser feito em seu instrumento. Tudo tem que ser justificado, discutido e antes de se proceder qualquer modificação, o cliente deve estar totalmente a par do trabalho e deve concordar com os procedimentos para produzir os efeitos almejados.

Caso haja uma quebra na relação de confiança entre o músico e o luthier as consequências podem ser muito sérias. Nunca se deve arriscar com o instrumento do cliente. Acho que o mais importante, acima de tudo e como fundamento, é o respeito que se deve ter, tanto pelo objeto quanto pelo proprietário dele.

O luthier precisa entender de música (ou ser músico) para construir ou restaurar um instrumento? Sua formação musical te ajuda no desenvolvimento do seu ofício de luthier?

Embora não seja uma condição si ne qua non para se exercer o ofício de luthier, o conhecimento musical agrega muito ao exercício pleno da profissão. Quando se constrói um violino se deve ter em mente ao que ele serve: à música. Caso a dimensão musical não esteja presente no trabalho de um luthier, a sua produção pode ficar dissociada da função primordial do instrumento.

Um luthier pode construir um instrumento sem que haja nenhum conhecimento musical envolvido, mas o resultado será sempre, de certa forma, imprevisível do ponto de vista de expressão sonora. Pessoalmente acho que a falta de conhecimento musical é um grande limitante para o luthier. É necessário, na minha opinião, que o profissional compreenda a linguagem, os anseios, a expressão, as infinitas sutilezas de uma forma de arte que pode ser tão etérea e subjetiva como a música.

Acho que é imprescindível que haja uma sensibilidade musical desenvolvida pelo estudo da música. Música é uma disciplina obrigatória em qualquer escola de luteria séria, em qualquer lugar do mundo. Eu comecei meus estudos de música em 1982 em Brasília. Meu primeiro instrumento foi a flauta transversal Me interessei pela música antiga, estudei flauta transversal barroca, flautas doce e viola da gamba. Me dediquei em tempo integral à música durante dez anos. Estudei violino, já como luthier, tendo aulas particulares com uma de minhas clientes, violinista da orquestra de Brasília.

Você oferece um curso de luteria gratuito para jovens da periferia de Brasília. Como funciona este projeto?

O curso “Luteria para Músicos” é um projeto que oferece gratuitamente a cem músicos instrumentistas e professores de cordas, um workshop de 12 horas e que consiste em uma imersão no mundo da luteria, destacando os aspectos que interessam diretamente aos músicos.

Os temas abordados incluem o panorama histórico do desenvolvimento da luteria desde o século 16 aos nossos dias, uma descrição resumida dos métodos de construção dos violinos, materiais utilizados, a função de cada uma das principais partes do instrumento e sua anatomia, aspectos acústicos, exemplos descritivos de algumas das principais técnicas de restauro, medidas e proporções importantes a serem observados, a influência da qualidade dos instrumentos para o desenvolvimento técnico de alunos de cordas etc.

O objetivo é fornecer elementos que possam enriquecer a experiência do músico com seu instrumento e fazer com que as informações sejam compartilhadas através dos professores para várias gerações de alunos. As atividades do luthier e do músico possuem uma grande área de conhecimento compartilhada. Estreitar esses dois universos tem sido uma experiência muito interessante e que leva a muitos esclarecimentos.

E como você se interessou pela luteria?

Foi um desdobramento direto da minha atividade como estudante de música. Uma situação bastante peculiar me levou a entrar em contato com o professor Ataíde de Mattos, violoncelista bem conhecido de Brasília, que estava montando uma equipe para construir instrumentos de cordas. Seu objetivo, como professor de cello, era produzir instrumentos com qualidade superior aos que eram disponíveis na época, para seus alunos, com um custo reduzido.

Nas décadas de 1980 e 1990 os instrumentos de fábrica mais baratos eram de péssima qualidade, muitas vezes feitos de compensado. Após essa introdução ao mundo da luteria, comecei a estudar os métodos tradicionais de construção de instrumentos e em questão de meses vi minha vida como músico se transformar em uma vida como luthier.

Sempre trabalhei exclusivamente com a família do violino (violino, viola, violoncelo). Em 1992 ingressei como luthier do Departamento de música da UnB (Universidade de Brasília) onde permaneci até 1995. Fui progressivamente me aprofundando na profissão. Tenho construído e restaurado instrumentos de cordas desde então.

Para finalizar, poderia dar algumas dicas de cuidados e reparos básicos de instrumentos para músicos iniciantes?

Para estudantes de cordas ou músicos profissionais os cuidados básicos com os instrumentos são os mesmos:

– Nunca deixar os instrumentos expostos ao calor intenso – proibido deixar dentro do carro, por exemplo!.

– Evitar choques térmicos e situações de extrema umidade ou seca ambiental.

– Não aplicar nenhum produto no verniz.

– Fazer revisões periódicas para avaliar o estado de conservação e regulagem.

– Caso perceba alguma vibração estranha ou ruído, levar ao seu luthier de confiança para averiguação.

– Não tentar colar seu instrumento por conta própria pois algumas colas podem danificar seriamente o instrumento.

– Nunca limpar seu instrumento com óleos ou outros produtos líquidos. Caso precise de uma limpeza mais profunda, procure um luthier qualificado.

– Os instrumentos de cordas da família do violino possuem partes móveis como cavalete e alma. Eles são apenas cuidadosamente instalados e podem se mover com impactos ou pequenos acidentes. Caso isto ocorra ou se você tem dúvidas se algo está fora do lugar, procure um luthier.

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